quinta-feira, 24 de novembro de 2022

“TERROR É NÃO TER SKY”: MULTIMODALIDADE, INTERTEXTUALIDADE E PERSUASÃO NA PUBLICIDADE

 

        A publicidade está, inegavelmente, presente no nosso dia a dia, afinal muitas das nossas escolhas pessoais são por ela influenciadas. Afinal, o que vem a ser a publicidade?  O termo tem a sua origem no latim publicus e significa tornar algo público (SANTOS e CÂNDIDO, 2017).  O senso comum costuma associar a publicidade apenas a produtos e serviços com fins comerciais, entretanto a publicidade vai muito além da divulgação de produtos e serviços,pois ideologias, fatos  e até mesmo valores também são divulgados. Santos e Cândido (2017) definem a publicidade  como a promoção ou divulgação de ideias, produtos ou serviços. A divulgação, conforme os autores objetiva o lucro e, para tanto, precisa deixar claro quem está divulgado e para que público-alvo tal divulgação se destina. Para atingir seus propósitos e conquistar a preferência do público-alvo, a publicidade precisa explora diferentes modos semióticos, de modo que haja persuasão por meio do emprego de recursos criativos e atrativos.  Assim sendo, compreende-se que os diferentes gêneros  publicitários são exemplos de textos multimodais, uma vez que as múltiplas semioses são elementos inerentes na composição dos diferentes exemplares de gêneros da publicidade.

          A respeito da multimodalidade, Gomes e Silva (2018, p.57) tecem as seguintes considerações:

A multimodalidade consiste no uso de dois ou mais sistemas semióticos na troca de informação e está presente tanto em textos predominantemente escritos, quanto em textos visuais, sonoros ou cinemáticos, sendo um dos fatores responsáveis pela construção dos significados durante o processo de leitura. Nesse sentido, ela não é uma característica nova peculiar somente aos textos modernos, mas um atributo natural da comunicação humana que sempre existiu.

            Conforme a citação, a multimodalidade deve ser encarada como uma característica inerente aos textos e, por isso, os significados dos textos são condicionados  pelas escolhas dos elementos multimodais que os constituem. Ao escolherem os elementos multimodais que constituem os textos publicitários, os anunciantes/ produtores desses gêneros também recorrem, a depender de seus propósitos, a um outro importante recurso: a intertextualidade.

          Bazerman (2011, p.92) define a intertextualidade como “as relações explícitas e implícitas que um texto ou enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial)”. Em relação à metodologia de análise, o autor propõe seis estratégias de representação intertextual, que ilustram não somente  os tipos de intertextualidade, mas também os tipos  de interdiscursividade, quais sejam: citação direta, citação indireta, menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupos de pessoas  ou de documentos específicos e uso de linguagem e de formas linguísticas  que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos. Além da multimodalidade e da intertextualidade, outro recurso é considerado crucial na constituição da publicidade: a persuasão.

          A respeito da persuasão, em sua obra Effective advertising: understanding when, how and why advertising works, Gerard J. Tellis aborda os elementos persuasivos que   compõem a publicidade. Para tanto, parte de um modelo desenvolvido por Cacioppo e Petty, em 1985, para resumir os diferentes meios de persuasão presentes na publicidade. Esse modelo, intitulado Modelo de Probabilidade de Elaboração, emprega abordagens da antiga retórica, ou seja, os três meios de persuasão segundo Aristóteles: logos (argumentos), ethos (endossantes) e  phatos (emoção). ). Em relação ao primeiro meio de persuasão, o argumento ( logos), o autor  afirma que esse recurso “convence um espectador de uma mensagem apelando à razão e confiando em evidências” (TELLIS, 2004, p.151).

          O segundo meio de persuasão, conforme já apontado, é a emoção (logos). Valorizando o papel desse “estado de excitação” (TELLIS, 2004),  o pesquisador (2004) aponta os três modos pelos quais a emoção despertada convence o destinatário à ação, quais sejam: 1. O modo implícito, em que o anunciante desperta emoções ao incorporar uma mensagem nos personagens envolvidos na trama, despertando empatia nos espectadores; 2. O modo explícito, em que o anunciante desperta emoções, explicitamente, usando estímulos para transmitir um ponto de vista, despertando simpatia em vez de empatia, por parte dos espectadores; 3. O modo associativo, no qual  as emoções são despertadas por meio de estímulos que são apenas tangencialmente relacionados ao produto, o que suscita, no espectador, a associação entre determinada sensação/ emoção e o produto anunciado.

          O terceiro ato retórico, o endossamento (ethos) diz respeito às pessoas contratadas para atrair e agir na persuasão do público-alvo, por isso, atuam como agentes que reforçam a credibilidade à mensagem transmitida por determinada publicidade. O endossamento pode ser feito por especialistas, celebridades ou leigos (TELLIS, 2004).

          Tomando como referência a discussão teórica sobre esses relevantes elementos constituintes da publicidade, analisemos, agora o vídeoclipe da música Thriller, do astro pop  Michael  Jackson.

         Fonte:< https://www.youtube.com/watch?v=sOnqjkJTMaA>  

        Exibido pela primeira vez em dezembro de 1983, o clipe, até os dias atuais, é considerado uma referência no que tange à produção audiovisual. O enredo inicia com um casal apaixonado saindo de um automóvel e travando um diálogo próprio dos apaixonados, regado a olhares e  declarações amorosos. No entanto, o clima de romance é interrompido quando a imagem da lua cheia é ressaltada e,  partir desse momento, para desespero da garota, o rapaz começa a se transformar em um lobisomem, iniciando, assim, uma perseguição em meio a floresta. Quando o monstro  está prestes a capturar a indefesa moça, o espectador é surpreendido ao perceber que todo o enredo até ali não passava de um filme de terror, assistido pelo mesmo casal, no cinema. Incomodada com as cenas do filme, a jovem sai da sala de cinema antes mesmo de a sessão terminar, o que faz com o que o namorado a acompanhe. Passado algum tempo, a música é, finalmente introduzida e, à medida que avança, o cenário enfatizado passa a ser de um cemitério, no qual vários mortos ressuscitam ao som da música e começam, junto com o rapaz, a produzirem uma peculiar coreografia. A jovem, horrorizada, tenta fugir, mas é perseguida pelos zumbis e seu namorado, agora também sob a forma de morto-vivo. Mais uma vez, quando  a jovem está prestes a ser atacada, o espectador  é surpreendido com uma nova quebra de expectativa: tudo não passara de um pesadelo. Aparentemente, os jovens estão na sala de espera do cinema  e,  antes de sair de cena, o rapaz, propositalmente, olha para o espectador e revela olhos monstruosos, deixando um misto de dúvidas e várias hipóteses sobre o que teria acontecido. Considerado um clássico da cultura pop, tanto a música quanto o clipe influenciaram e continuam influenciando inúmeras outras produções, como é o caso do comercial da Sky, intitulado Mansão Sky. Vejamos:




     Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=oofwJqRVovg>


         No comercial , o enredo é ambientado em uma mansão, entretanto uma mansão fora do padrão, tanto pelo aspecto bastante sombrio  quanto pelos sons de uivos de lobos e outros efeitos sonoros que remetem a terror. Quando o funcionário da SKY  bate à porta, a música Thriller, de Michael Jackson é iniciada. À medida que adentra a mansão, o funcionário se depara com diferentes elementos assustadores: intensidade de uivos de lobos, barulhos de asas de morcego, figuras assustadoras de fantasmas, esqueletos, lobisomem e zumbis. No clímax, aparece a modelo Gisele Bündchen interpretando uma vampira prestes a atacar o homem. Neste momento, há uma quebra de expectativa, já que a vampira apenas diz “obrigada” no ouvido do funcionário. Em seguida, o vídeo é interrompido pela frase: “Terror é não ter Sky”. No momento final do comercial, todos os sombrios moradores da mansão estão sentados no sofá e a vampira, interpretada por Gisele Bündchen, fala: “Ainda bem que agora a gente tem SKY, que essa casa estava meio morta, né?!, o que provoca uma situação cômica diante do contexto geral do comercial. Feitas as contextualizações do clipe e do vídeo,  passamos, agora, para análise da publicidade “ Mansão Sky”, pautada, primeiramente em Bazerman (2021 [2006]), conforme o quadro sintético abaixo:



          Agora, analisemos o mesmo vídeo conforme os critérios de Tellis (2004):

      












REFERÊNCIAS

 

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita; Angela Paiva Dionísio e Judith ChamblissHoffnagel(Org.). Tradução e adaptação Judith ChamblissHoffnagel. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2021 [2006].

GOMES, Francisco Wellington Borges; SILVA, Ana Paula de Oliveira. Multimodalidade e persuasão em uma peça publicitária audiovisual. Entrepalavras, Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 55-79, maio/ago. 2018

LIM-FEI, V. & TAN, K.Y.S. Multimodal Translational Research: Teaching Visual Texts. In: Seizov, O. & Wildfeuer, J. (eds.). New studies in multimodality: Conceptual and methodological elaborations. London/New York: Bloomsbury. 2017.

SANTOS, Anderson Inácio dos; CÂNDIDO, Danielle. Por um conceito de Propaganda e Publicidade: divergências e convergências. In: INTERCOM - SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO 40º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. 2017.

TELLIS, G.J.  Effective advertising: understanding when, how, and why advertising works. California: Sage publications, 2004.


quarta-feira, 23 de novembro de 2022

VÍDEO FAST FOOD AND CHILDREN [POWERFUL] ADVERTISEMENT : OS ATOS RETÓRICOS SEGUNDO TELLIS (2004)

 

         Em sua obra Effective advertising: understanding when, how and why advertising works, Gerard J. Tellis aborda os elementos persuasivos que   compõem a publicidade. Para tanto, parte de um modelo desenvolvido por Cacioppo e Petty, em 1985, para resumir os diferentes meios de persuasão presentes na publicidade. Esse modelo, intitulado Modelo de Probabilidade de Elaboração, emprega abordagens da antiga retórica, ou seja, os três meios de persuasão segundo Aristóteles: logos (argumentos), ethos (endossantes) e  phatos (emoção). Conforme o modelo empregado por Tellis (2004), o modo como um anúncio convence depende, necessariamente, de quanta habilidade e motivação os consumidores apresentam para pensar a respeito da mensagem do anúncio (TELLIS, 2004 apud COSTA, 2022). Em relação ao primeiro meio de persuasão, o argumento ( logos), o autor  afirma que esse recurso “convence um espectador de uma mensagem apelando à razão e confiando em evidências “ (TELLIS, 2004, p.151).

      Em relação ao argumento, o autor (2004) propõe cinco estratégias que podem ser empregadas pelos produtores dos anúncios a fim de persuadir o consumidor/público-alvo, de modo que o argumento é classificado em: comparativo, refutacional, inoculativo, suporte e enquadramento. O argumento comparativo é aquele que, como o próprio termo evidencia, “compara a marca alvo a algum padrão competitivo” (TELLIS, 2004,p.152). A respeito dos padrões competitivos, estes podem ser uma marca concorrente nomeada, uma marca concorrente não nomeada ou uma indústria em geral. Quanto ao argumento do tipo refutacional, este apresenta, inicialmente, um contra-argumento contra a marca anunciada, para depois “destruir” esse argumento. Desse maodo, nas palavras do autor, “a refutação é uma forma especial de argumento bilateral (TELLIS, 2004, p.155). Quando se refere ao argumento refutacional destacando seu aspecto bidirecional, o autor argumenta que essa estratégia pode ser emprega com três distintas finalidades, a saber: 1. Refutar ideias negativas que já foram divulgadas; 2. Refutar problemas gerados por publicidades de uma marca que obteve resposta negativa do seu público quando a determinado assunto/tema. 3.Refutar crenças provenientes por mal entendido ou empresas rivais.

          No que concerne ao argumento inoculativo, ocorre quando “ a publicidade  apresenta a posição do rival com formas fracas de argumentos, seguidas de fortes contra-argumentos que refutam a posição” ( TELLIS,2004, p.159). Esse tipo de argumento tem como objetivo persuadir o espectador  por meio de um posicionamento neutro, entretanto favorável ao que foi exposto e empregado para convencer. No caso do argumento de suporte, é apontado pelo autor como a estratégia mais simples e comum e “ envolve uma afirmação dos atributos positivos de uma marca sem qualquer  comparação, refutação, inoculação, enquadramento, pergunta ou afirmação retórica” ( TELLIS,2004, p.159). O argumento de enquadramento, por sua vez, diz respeito à exposição de um concorrente a uma situação na qual ele se torne menos atraente aos olhos do espectador/ consumidor.

          O segundo meio de persuasão, conforme já apontado, é a emoção (logos). Valorizando o papel desse “estado de excitação” (TELLIS, 2004),  o pesquisador (2004) aponta os três modos pelos quais a emoção despertada convence o destinatário à ação, quais sejam: 1. O modo implícito, em que o anunciante desperta emoções ao incorporar uma mensagem nos personagens envolvidos na trama, despertando empatia nos espectadores; 2. O modo explícito, em que o anunciante desperta emoções, explicitamente, usando estímulos para transmitir um ponto de vista, despertando simpatia em vez de empatia, por parte dos espectadores; 3. O modo associativo, no qual  as emoções são despertadas por meio de estímulos que são apenas tangencialmente relacionados ao produto, o que suscita, no espectador, a associação entre determinada sensação/ emoção e o produto anunciado. Além dos três modos descritos anterior, há cinco métodos expostos por Tellis (2004) para despertar emoções que são particularmente relevantes para os anunciantes: drama, história, demonstração, humor e música. 

          Drama envolve uma interação de um ou mais personagens em torno de uma narração, é o mais cativante e se baseia principalmente na emoção, sem necessariamente depender da lógica, atrai o espectador para a ação com os personagens que estão envolvidos em uma trama (TELLIS, 2004). Segundo o autor (2004), história e demonstração estão entre argumentos e drama. Outrossim, é mencionado que entre essas quadro formas de persuasão, há uma troca entre evidência e emoção. À medida que um comunicador passa do argumento para a história, demonstração e drama, ele confia menos na lógica e mais nas emoções. Já o humor é visto como uma entidade indescritível e fácil de detectar e desfrutar risos instantâneos. O riso na publicidade, causa um relaxamento do público que se configura como alvo das campanhas que empregam o humor como estratégias, estabelecendo um vínculo entre o consumidor e o público. O humor pode ser definido como incongruência indolor. Se a incongruência é dolorosa, deixa de ser agradável ou engraçada. O desafio é que o que é agradável para um grupo é muitas vezes doloroso para o outro (TELLIS, 2004).

          O terceiro ato retórico, o endossamento (ethos) diz respeito às pessoas contratadas para atrair e agir na persuasão do público-alvo, por isso, atuam como agentes que reforçam a credibilidade à mensagem transmitida por determinada publicidade. O endossamento pode ser feito por especialistas, celebridades ou leigos (TELLIS, 2004).Agora, analisemos o vídeo Fast food and children [powerful] Advertisement:

                          Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=0K3F_53Sn34>


              Conforme pode ser observado no vídeo, em um ambiente pouco iluminado e soturno, o espectador acompanha os passos de uma mulher, que segura uma embalagem de papel e se dirige a uma mesa, onde está um garotinho a colorir alguns desenhos. Em poucos segundos, o espectador infere que a mulher é mãe da criança. Em seguida, a mulher abre a embalagem e retira alguns objetos, como seringa, colher, isqueiro e um sachê com um produto em pó, e passa a esquentar, na colher, o produto que estava no sachê. Em um momento considerado o clímax do vídeo, as ações da mãe sugerem que ela irá injetar a substância da seringa no braço do filho. Entretanto, há uma quebra de expectativa, pois rapidamente os objetos dão lugar a um hambúrguer industrializado (fast food). Ao final do vídeo, mãe e filho comem o fast food e aparecem, em fundo escuro, as seguintes frases: “You wouldn’t inject your children with junk”  (Você não injetaria lixo nos seus filhos), “Só why are you feeding it to them?” (Então, por que você está alimentando eles com isso?) e  “Childhood obesity - break the habit)” (Obesidade infantil - quebrando o hábito).

         Em relação à primeira estratégia do argumento ( logos) , o argumento comparativo, é possível verificar o seu emprego, uma vez é feita uma comparação entre os ingredientes industrializados (temperos, conservantes, corantes etc) que compõem o fast food  e os componentes químicos de drogas injetáveis, como heroína e cocaína, por exemplo. Essa comparação é percebida tanto no “jogo” de cenas quanto reforçada por meio das frases que são exibidas: You wouldn’t inject your children with junk”  (Você não injetaria lixo nos seus filhos), “Só why are you feeding it to them?” (Então, por que você está alimentando eles com isso?). Quanto ao argumento refutacional, este se apresenta por meio da inserção das imagens em que mãe e filho se alimentam de fast food  e, em seguida, há a exibição da frase: You wouldn’t inject your children with junk”  (Você não injetaria lixo nos seus filhos). Quanto às demais estratégias de argumentação ( inoculativo, suporte e enquadramento), estas não foram encontradas, conforme a análise.

          No que diz respeito à emoção (phatos), percebe-se as ocorrências de dois modos: 1. Drama- a sequência das ações e a música  de suspense ao fundo, além dos recursos de luz, provocam um ar dramático no enredo; 2: História: também  a emoção se manifesta, claramente, por meio de uma história, afinal  há  uma linha cronológica com sucessão de fatos ( situação inicial, conflito, clímax e desfecho) envolvendo os personagens. Quanto aos efeitos provocados no espectador, há a presença de humor satírico, representado pela quebra de expectativa quando o espectador percebe que o jogo de imagens apenas induzem à interpretação de que seriam injetadas drogas na criança. Outro efeito bastante predominante é a irritação, uma vez que a imagem de uma mãe prestes a injetar  drogas no próprio filho (uma criança) suscitam sentimentos de revolta e indignação. Quando o espectador percebe que a criança não corre riscos quanto à injeção de drogas, é despertada cordialidade.

          O terceiro ato retórico, o endossamento (ethos), está presente no vídeo  por meio da participação de peritos/ especialistas e leigos. No caso dos peritos/ especialistas, percebe-se que o vídeo foi produzido como parte de uma campanha de saúde. Sendo assim, infere-se que algum órgão ou entidade  pretende provocar essa reflexão por meio do vídeo impactante. Como não foram empregadas celebridades, constata-se que as pessoas que encenam o vídeo são leigos, possivelmente para melhor atingir o propósito de gerar uma identificação ou aproximação entre os personagens e a vida real dos espectadores. Além disso, a ausência de pessoas famosas evita que a atenção se volte para o endossante, e não para a mensagem. Por fim, no que concerne à receptividade do vídeo, há bastante divergências, pois uma parte  do público aceitou a mensagem, ou seja, agradou-se do conteúdo, enquanto uma parte do público considerou as cenas apelativas  ou exageradas.

          Concluída a análise, fica clara a relevância do trabalho de Tellis (2004) para a compreensão dos diferentes atos retóricos que constituem a publicidade e a propaganda. Assim, de posse do aparato teórico-metodológico proposto pelo autor, o espectador/ consumidor pode ver  muito além do que  os seus olhos captam explicitamente nas propagandas e publicidades.

 

REFERÊNCIAS

 

TELLIS, G.J. Advertising as Persuasion In: ______. (org.). Effective advertising: understanding when, how, and why advertising works. California: Sage publications, 2004, p. 126 – 149.

 


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A EMOÇÃO NA PUBLICIDADE, SEGUNDO OS ESTUDOS DE TELLIS (2004)

 

No capítulo “Emoção na Publicidade”, Tellis (2004) aprofunda a discussão iniciada no capítulo anterior, que sugere o uso da emoção como um meio eficaz e poderoso de persuasão. Entretanto, neste capítulo, o autor (2004) aborda mais enfaticamente o conceito de emoção, o seu funcionamento em relação à lógica, os modos pelos quais a emoção é empregada no convencimento dos espectadores, o funcionamento das emoções, assim como as vantagens e desvantagens das emoções. Além disso, Tellis (2004) contextualiza a discussão por meio de exemplos de variados anúncios que trazem consigo aspectos discutidos no capítulo. Inicialmente, o autor afirma que os pesquisadores da publicidade não enfocavam as emoções em seus estudos devido a uma crença de que a eficácia dos anúncios estava relacionada ao uso de argumentos fortes, ignorando o papel das emoções.  De acordo com o capítulo, somente na última década os pesquisadores voltaram o olhar para o papel relevante da emoção no cenário da publicidade. Valorizando o papel desse “estado de excitação” (TELLIS, 2004),  o pesquisador (2004) aponta os três modos pelos quais a emoção despertada convence o destinatário à ação, quais sejam: 1. O modo implícito, em que o anunciante desperta emoções ao incorporar uma mensagem nos personagens envolvidos na trama, despertando empatia nos espectadores; 2. O modo explícito, em que o anunciante desperta emoções, explicitamente, usando estímulos para transmitir um ponto de vista, despertando simpatia em vez de empatia, por parte dos espectadores; 3. O modo associativo, no qual  as emoções são despertadas por meio de estímulos que são apenas tangencialmente relacionados ao produto, o que suscita, no espectador, a associação entre determinada sensação/ emoção e o produto anunciado. Outros aspectos relevantes discutidos por Tellis (2004) dizem respeito às vantagens e desvantagens da emoção. Em relação às vantagens, é pontuado que são várias as vantagens da emoção sobre a lógica.

Quando empregada nos modos implícito ou associativo, conforme o texto, não levanta as defesas naturais dos espectadores. Em segundo lugar, também há a vantagem de a emoção exigir menos esforço do espectador, diferentemente da lógica, que exige mais atenção e uma avaliação mais cuidadosa do argumento. Além dessas vantagens, também são apontadas as seguintes: os estímulos que despertam as emoções são geralmente mais interessantes, mais fáceis de lembrar e a emoção pode levar à mudança de comportamento mais imediatamente que a lógica. No que concerne às desvantagens, o autor destaca quatro delas: 1. O despertar de emoções requer mais tempo do que a comunicação de uma mensagem por meio de argumentos; 2. Os espectadores podem ficar tão envolvidos nas emoções que podem perder a mensagem central; 3. Emoções negativas podem ser tão desagradáveis que os espectadores podem simplesmente filtrar os estímulos e a mensagem; 4. O despertar de emoções fortes pode levar alguns ou todos os ouvintes a sentir que o comunicador está explorando uma situação. Assim, o autor (2004) explica a importância da emoção dentro da publicidade ao dizer que para construir a imagem de marca é comum trabalhar o lado emocional na relação produto/consumidor. Como a emoção é muito subjetiva, fica difícil ser verbalizada e principalmente mensura lá, pois é necessária uma racionalização que já pode ser influenciada por um pré-julgamento e um objetivo consciente causando viés nos resultados (TELLIS, 2004). A emoção nos motiva a ação, reagimos aos acontecimentos. A seguir descreveremos cinco métodos expostos por Tellis (2004) para despertar emoções que são particularmente relevantes para os anunciantes: drama, história, demonstração, humor e música. 

Drama envolve uma interação de um ou mais personagens em torno de uma narração, é o mais cativante e se baseia principalmente na emoção, sem necessariamente depender da lógica, atrai o espectador para a ação com os personagens que estão envolvidos em uma trama (TELLIS, 2004). Segundo o autor (2004), história e demonstração estão entre argumentos e drama. Outrossim, é mencionado que entre essas quadro formas de persuasão, há uma troca entre evidência e emoção. À medida que um comunicador passa do argumento para a história, demonstração e drama, ele confia menos na lógica e mais nas emoções. Já o humor é visto como uma entidade indescritível e fácil de detectar e desfrutar risos instantâneos. O riso na publicidade, causa um relaxamento do público que se configura como alvo das campanhas que empregam o humor como estratégias, estabelecendo um vínculo entre o consumidor e o público. O humor pode ser definido como incongruência indolor. Se a incongruência é dolorosa, deixa de ser agradável ou engraçada. O desafio é que o que é agradável para um grupo é muitas vezes doloroso para o outro (TELLIS, 2004). O anúncio abaixo de gravatas Van Heusen, anos 50, mostra que para ela, o mundo é dos homens. Nos anos 50, os argumentos machistas eram mais toleráveis, e este anúncio era um exemplo claro de incongruência dolorosa para as mulheres, nos fazendo refletir sobre a polêmica que poderia gerar, caso fosse veiculado nos dias atuais. Observe:



Fonte: <https://www.propagandashistoricas.com.br/2013/05/gravatas-van-heusen-anos-50.html>

Tellis (2004) também explica que para o utilizado humor em propagandas obtenha êxito, múltiplos fatores devem ser levados em consideração, caso contrário, pode ocasionar em uma rejeição da mensagem apresentada. Sendo assim, o primeiro elemento citado pelo autor (2004) trata-se da alegria e do prazer, elementos que conseguem gerar resultados positivos, embora seja necessário evitar formas de humores capazes de constranger ou mesmo ridicularizar a sua plateia. Como segundo fator, têm-se a adaptação dos recursos humorísticos ao público-alvo, visando manter a incongruência que traz harmonia dentro da propaganda; o terceiro elemento trata-se da objetividade da mensagem a ser expressa, enquanto o quarto, refere-se à forma como o contexto é utilizado para afetar o emocional das pessoas (TELLIS, 2004). O sexto aspecto é observar se realmente na propaganda de determinado produto cabe mesmo usar o humor, a vista que, como explica Tellis (2004, p. 178), “alguns autores defendem que, devido à sua abordagem mais leve à persuasão, o humor é mais adequado para produtos de baixo custo, menos arriscados”, característica primordial para que se tenha bons retornos interativos e até mesmo, persuasivos. O sexto e último elemento já está relacionado ao contexto social em que o humor é produzido, uma vez que pode afetar no aproveitamento da propaganda, bem como a quantidade de pessoas que participam daquele trabalho (TELLIS, 2004). Ademais, o pesquisador (2004) reforça que a música também exerce papel fundamental em meio às propagandas, pois é capaz de chamar a atenção do público e trazer mais equilíbrio ao mesclar o visual aos recursos dramáticos, embora seu principal objetivo seja justamente despertar emoções por meio do estabelecimento do humor. 

Nesse viés, Tellis (2004) que expõe a composição musical, isto é, as três propriedades que fazem parte desse sistema que são a altura, o tempo e a textura, que consequentemente também mexem com nossas emoções, partindo de aspectos como o pitch, ou “organização das notas em uma peça musical e timing que é a organização temporal dos componentes da peça. A textura descreve a riqueza qualitativa da peça musical” (TELLIS, 2004, p. 179). Então, esses elementos são capazes de despertar o humor de diversas formas, pois as músicas consideradas sentimentais são classificadas como um nível menor de emoção, enquanto as mais serenas se encaixam em níveis mais elevados. Apesar disso, o autor (2004) explica que ainda não houve um consenso no que diz respeito às pesquisas acerca dos efeitos das músicas serem instintivos ou aprendidos por humanos, logo, “a resposta é provavelmente ambas, com alguns aspectos muito básicos sendo instintivos e sutis sendo aprendidos dentro do contexto de uma cultura ou subcultura” (TELLIS, 2004, p. 180), o que pode ocasionar estímulos universais à música, entretanto, muitos pesquisadores ainda argumentam que por esse recurso ser rico em suas formas, também é bastante complexo e que sofre grandes influências em significados provenientes de apenas uma cultura, ou seja, é necessário que o público-alvo aprenda a não apenas a apreciar, mas a música às variadas significações e emoções por ela estabelecidas, de acordo com sua vivência ou historicidade. Quanto aos efeitos da música considerados mais pertinentes, o mencionado estudioso (2004) esclarece que "[...] é provável que o efeito da música seja mais importante quando os espectadores usam uma rota periférica de persuasão baseada em pistas. Em tais situações, um estudo sugere que a música que desperta emoções pode aumentar a atenção dos espectadores, enquanto a música relacionada à mensagem pode melhorar sua atenção" (TELLIS, 2004, p. 183).

Em outras palavras, o autor (2004) deixa claro como os efeitos musicais atuam e a sua relevância em meio à passagem de uma mensagem do locutor ao seu interlocutor de modo mais dinâmico, auxiliando igualmente a despertar suas emoções positivamente, embora exista o perigo de tirar o foco do objetivo principal (a mensagem).  Dessa forma, é enfatizado no texto de Tellis (2004) que apesar dos aspectos de intencionalidade no momento de elaboração de uma propaganda, nem sempre suas estratégias serão totalmente intencionais, o que possibilita a inclusão de emoções variadas, fatores como “irritação, calor, medo, inspiração e emoções enobrecedoras” (TELLIS, 2004, p. 183), e por esse motivo, ressalta algumas pesquisas sobre o funcionamento das emoções citadas. A irritação, por exemplo, contém elementos repetitivos, óbvios e intrusivos.  Quanto às causas de irritação, há 9, as quais organizam-se em três grupos: ilustração, enredo e caracterização. Na ilustração, há uma exibição explícita de produto sensível, uma amostra de desconforto. No enredo, há uma situação falsa no anúncio, uma simulação falsa ou exagerada, até divergente da realidade comum. Já na caracterização, por sua vez, consta um rebaixamento, com envolvimento de uma ameaça diante de um relacionamento próximo/ importante. Outras informações importantes também são: a sensibilidade e a execução do produto são fatores críticos para essa categoria; há pequenas diferenças por gênero e grupos socioeconômicos; a irritação é maior entre os consumidores mais instruídos e de alta renda e é maior entre os homens do que entre as mulheres. Ademais, importa mencionar também a eficácia dos anúncios irritantes, fato que justifica-se porque a irritação aumenta a atenção e a lembrança da mensagem enquanto distrai os contra-argumentos, resultando numa probabilidade do respondente se lembrar da marca e dos seus atributos, escolhendo-a em detrimento de outra.

 

Referência

Tellis, G.J.  Effective advertising: understanding when, how, and why advertising works. California: Sage publications.2004.

 

5ª POSTAGEM

sábado, 22 de outubro de 2022

A INTERTEXTUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA PROPAGANDA DO AUDI R8 V10 PLUS: ESTRATÉGIAS SEGUNDO BAZERMAN

 

     No artigo intitulado “Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos”, Charles Bazerman discute a respeito de um relevante recurso linguístico tão presente nas práticas comunicativas cotidianas: a intertextualidade. Para Bazerman (2004), quase todas as palavras e frases que empregamos já haviam sido ouvidas ou vistas antes, ou seja, “criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos” (BAZERMAN, 2011, p.88).

      Ao enfatizar  a relação intrínseca entre linguagem e intertextualidade,  o autor  defende a importância de se analisar  a intertextualidade de um texto e, para isso, elenca várias justificativas para esse tipo de análise, entre as quais: auxilia na compreensão  das diversas maneiras pelas quais os escritores  inserem outros personagens em sua história e “como eles se posicionam a si mesmos dentro desses mundos de múltiplos textos”; uma importante ferramenta para discriminar  as fontes que os pesquisadores  e os teóricos se fundamentam ou, ainda,  as fontes às quais se opõem;e um importante mecanismo na identificação das ideias, pesquisas e posições políticas que permeiam os documentos institucionais. Além disso, também destaca a importância da análise da intertextualidade no contexto escolar, uma vez que essa ferramenta possibilita ao professor compreender como são atribuídos os sentidos e identidades aos alunos e à escola por meio dos recursos intertextuais.

         Nessa perspectiva, Bazerman (2011, p.92) define a intertextualidade como “as relações explícitas e implícitas que um texto ou enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial)”. Em relação à metodologia de análise, o autor propõe seis estratégias de representação intertextual, que ilustram não somente  os tipos de intertextualidade, mas também os tipos  de interdiscursividade, quais sejam: citação direta, citação indireta, menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupos de pessoas  ou de documentos específicos e uso de linguagem e de formas linguísticas  que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos.  O quadro abaixo sintetiza essas seis estratégias:

 

              SEIS ESTRATÉGIAS PARA ANÁLISE DA INTERTEXTUALIDADE/INTERDISCURSIVIDADE


Fonte:<https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html>

          Na estratégia da citação direta, as palavras do autor original são fielmente reproduzidas, enquanto na citação indireta é feita uma reelaboração das palavras do autor original. Em relação à estratégia menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, é exigido do leitor conhecimento prévio da fonte original, uma vez que o significado e a relação com o texto original não são detalhados. No caso da estratégia comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, há a representação do posicionamento ou juízo de valor do autor. Ainda segundo Bazerman (2011), as duas primeiras estratégias (citação direta e citação indireta) são mais explícitas e mais facilmente reconhecíveis, ao passo que a quinta e a sexta estratégia são apontadas como mais implícitas e representativas da interdiscursividade.

              Costa (2022) apresenta outros elementos empregados como referências para análise de  textos multimodais fixos e em movimento: filmagem real , na qual trechos reais de uma obra fílmica são empregados; personagem ou objeto, em que  são empregadas referências diretas ou indiretas a personagem (ns) ou objeto(s); visuais, em que  são empregados, de forma direta ou indireta,  pelo menos um aspecto da cena original, como posições das figuras dentro das  tomadas; enredo, em que é avaliado se a obra realiza uma referência direta, indireta ou se é continuação do enredo da obra original; citações, que podem ser diretas ou indiretas; música, em que pode ser percebida referência direta e/ou indireta de sons emitidos pelas personagens e/ou pelos objetos inanimados; mencionar ou comentar  de forma direta e/ou indireta o título da obra original; Fraseado ou terminologia reconhecível  e idioma e formas, em que há uso de linguagens e outras formas linguísticas empregadas nas propagandas  e que evocam filmes ou séries de televisão, além de representarem referência a uma fonte específica.

              Seguindo as seis estratégias elencadas por Bazerman (2011) e os elementos para análise de textos multimodais, apresentados em Costa (2022), analisamos a peça publicitária veiculada sob a forma de vídeo.Observe:

 

                                 Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>                                             

            O vídeo em análise trata-se de uma propaganda   da marca Audi, em que é lançado um novo modelo de carro: o R8 Coupé V10 Plus. Para comunicar de forma persuasiva e criativa a chegada desse novo modelo automotivo no mercado, a marca lança o filme “ Commander”, em um comercial de 1 minuto de duração. A peça publicitária narra a história de um astronauta aposentado que, deprimido, fica remoendo seus tempos de glória, em especial sua marcante participação na missão Apollo, responsável por levar o homem à lua. O momento de introspecção e melancolia do velho astronauta é interrompido quando seu filho lhe oferece a chave de um R8 V10 Plus: o homem, ao dirigir o potente carro, revive a emoção de estar a bordo de um foguete em missão espacial.

              Por meio do recurso de flashbacks, são inseridas falas que remetem ao momento histórico vivenciado pelo personagem: “Senhor presidente, obrigada por escolher a lua”, “A vista é magnífica”, “Este é o dia de maior orgulho em nossas vidas”. Tal inserção acontece de forma indireta, uma vez que tais falas não reproduzem fielmente aquelas proferidas pelos astronautas e autoridades envolvidas no fato histórico, mas são reelaboradas “permitindo que os significados sejam mais integrados aos seus propósitos” (BAZERMAN, 2011, p.95). Além disso, também é possível situar essas falas na terceira estratégia sugerida por Bazerman (2011): menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações. Essa análise é possível ao considerarmos que o comercial, de forma indireta, menciona declarações e autoridades (presidente) relacionados ao fato histórico.

              Na cena inicial, além das falas que remetem à missão Apollo, há o uso de fotografias que reforçam, no expectador, a compreensão de que o personagem central do comercial foi um astronauta de muito sucesso.  O uso dessas fotografias ocorre de forma indireta, pois não representa os participantes reais do fato histórico, apenas recriando-os, por semelhanças. Seguindo o enredo da peça publicitária, o filho do astronauta aposentado se refere ao pai chamando-o de “comandante”. O uso desse termo se configura como a estratégia usos de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou documentos específicos, pois o termo “comandante” evoca a posição de chefia ou patente ocupada por um astronauta em missão espacial.

              Uma outra estratégia bastante evidente é o uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre pessoas e tipos de documentos.  Essa estratégia é percebida no momento em que são inseridas as seguintes falas: “Atenção à contagem de 10 segundos”, “Tudo perfeito...6...5...4...3...2...1”, “Decolamos”. O expectador, por meio da memória discursiva, relaciona essas falas à contagem regressiva, considerado um protocolo crucial e parte do rito que caracteriza o lançamento de um foguete. É importante ressaltar que tanto o emprego do termo “comandante” quanto a contagem regressiva só podem ser associadas ao contexto de lançamento de um foguete pelo fato de o leitor acessar sua memória discursiva e conhecimentos prévios acerca desse tema. Por esse motivo, fica evidente que esses elementos pertencem muito mais ao campo da interdiscursividade que da intertextualidade. Oberve a seguinte cena, retirada da peça publicitária em análise:

                                               Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI

                Em relação à analogia estabelecida entre o carro Audi R8 V10 Plus e um foguete, é verificado o emprego de objeto, de forma tanto indireta, quanto indireta.  De forma direta, as imagens do veículo (foguete) são incorporadas no enredo do comercial, ao passo que, de forma indireta, o carro tem suas características, como tecnologia avançada e alta potência, associadas ao foguete.  Também há o emprego de personagem de forma tanto direta, com inserção de imagens de astronautas em uma cena que tenta reproduzir o lançamento real de um foguete, como de forma indireta, quando o astronauta aposentado se comporta como se estivesse no papel de um astronauta em atividade rumo a uma missão espacial real. Isso pode ser percebido pelo close em seu rosto, pela carga emocional da cena e pela forma como ele segura o volante e acelera o veículo. Analise  as imagens seguintes:

                                               Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

                                             Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

                                               Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>
 

              De maneira conjunta, a associação de personagens e objetos em cena permitem a identificação de um outro elemento intertextual: o elemento visual.“Referências indiretas a visuais geralmente replicavam pelo menos um aspecto da cena original. Isso pode significar imitar as posições das figuras dentro das tomadas, mas colocadas em um contexto totalmente diferente” (COSTA, 2022).  No tangente ao enredo, este se apresenta referido de forma indireta, já que não reproduz exatamente a narrativa do lançamento real de um foguete, seguindo apenas o quadro principal do enredo no qual se apoia e alterando seus detalhes.

              Um outro elemento bastante relevante na composição da peça publicitária, sobretudo no clímax e desfecho, é   a trilha sonora. A escolha da música Starman, de David Bowie, corrobora o conceito proposto pelo comercial: de que coisas incríveis acontecem quando miramos a lua.  Implicitamente, a música traz essa referência e é preciso que o expectador acesse seu repertório discursivo, para, assim, associar a música que fala de “um homem das estrelas” ao enredo da peça publicitária, assim como acesse o conhecimento prévio de que boa parte das músicas de David Bowie tratam exatamente de temas associados ao conceito da propaganda: astronautas e mistérios do universo. No desfecho do comercial, há inserção indireta de um personagem não humano ou objeto, a lua, para consolidar a mensagem final da propaganda: acelerar um Audi R8 Coupé V10 Plus proporciona uma experiência tão intensa e potente que leva o usuário a reviver fatos históricos, como a ida à lua, conforme pode ser observado na imagem abaixo:

                                              Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

              Destarte, cabe enfatizar, por meio dessa análise,  a presença das relações intertextuais nas mais diferentes práticas comunicativas diárias e a importância desse recurso linguístico para a construção dos sentidos e propósitos comunicativos, afinal a “ intertextualidade  não é apenas uma questão ligada  a que outros textos você se refere, e sim como você os usa, para que você usa e, por fim, como você se posiciona enquanto escritor  diante deles para elaborar seus próprios argumentos” (BAZERMAN,2011, p.103).

             

                           

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita; Angela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (Org.). Tradução e adaptação Judith Chambliss Hoffnagel. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

COSTA,G.Intertextualidade(Bazerman,2004).Disponívelem<https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html> Acesso em 21/10/2022. 

 

 

INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE

 

        Inicialmente abordado na literatura, o conceito de intertextualidade  foi introduzido, na década de 60, pela crítica literária francesa Julia Kristeva. O termo era empregado nos casos em que determinada obra literária recuperava elementos de uma outra obra literária. Apoiando-se no postulado do dialogismo bakhtiniano, a autora defende que todo texto é o resultado de várias citações, que são absorvidas e transformadas em um outro texto.

          Mesmo não se utilizando do conceito de intertextualidade, Bakhtin (2004)  argumenta que o texo não pode ser pensado em si mesmo, uma vez que é definido pelo diálogo estabelecido com outros textos. O dialogismo, para Bakhtin,  é o caráter essencial da linguagem  e princípio que constitui o discurso. Assim, nenhum enunciado é nosso, pois sempre traz consigo enunciados anteriormente produzidos, ou seja, “cada enunciado  é um elo na corrente complexamente organizada de vários enunciados” (BAKHTIN, 2003, p.272) .Nas situações comunicativas diárias, em que são produzidos diferentes textos (enunciados), sempre são recuperados conversas, fatos, notícias, e essa recuperação de enunciados anteriores, inevitavelmente, entra na constituição dos novos textos (enunciados) produzidos

          Koch, Bentes e Cavalcante (2007) ressaltam que a Linguística Textual incorporou o postulado dialógio bakhtiniano e, a partir dessa nova visão, o conceito de texto foi atualizado, passando a  ser o lugar no qual os sujeitos são constituídos e interagem  socialmente por meio de ações linguísticas, cognitivas e socias. Nessa concepção, segundo afirma Maingueneau (1976), o intertexto passa a ser um dos elementos decisivos das condições de produção dos enunciados, uma vez que o discurso é construído através de um já dito.  Corroborando a importância do intertexto, as autoras supracitadas postulam a existência de uma intertextualidade lato (ampla), constitutiva de todo e qualquer discurso, e de uma intertextualidade stricto sensu (restrita), que ocorre pela presença de um intertexto, anteriormente produzido, na  constituição de um novo texto. Esta última classificação, conforme já explicado, será norteadora deste artigo.

          No que tange à intertextualidade stricto sensu, as autoras elencam alguns tipos de intertextualidade bem como as características próprias de cada uma, quais sejam: intertextualidade temática, em que os textos partilham de um mesmo tema abordado; a intertextualidade estilística, em que há o uso de determinado estilo ou variedade linguística próprios de determinado autor, gênero ou segmento da sociedade; intertextualidade explícita, quando o intertexto, é identificado como pertencente a outro enunciador, com a menção da fonte;  intertextualidade implícita,  quando não há menção explícita da fonte do intertexto; autotextualiade,  em que o autor se utiliza, em seu texto, de trechos de outras obras suas; intertextualidade intergenérica, em que um gênero exerce a fução de outro; e a intertextualidade tipológica, em que há a partilha de sequências ou tipos textuais – narrativas, descritivas, expostivivas etc.

          A fim de dar um cunho mais didático ao post, é dada ênfase aos conceitos de intertextualidade explícita e de intertextualidade implícita. Na intertextualidade explícita “ um ou outro  texto ou fragmento  é citado, é atribuído a outro enunciador; ou seja, é reportado como tendo sido dito por outro  ou por outros generalizados[..]” (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2012, p.28-29). Alguns exemplos representativos desse tipo de intertextualidade  são as citações, referências e  menções que são feitas, por exemplo, em  resumos, resenhas, textos argumentativos ou, ainda, situações de interação face a face. Vejamos, abaixo, o exemplo de intertextualidade explícita:

  


Fonte:<Fonte:https://www.facebook.com/nazareaorientadora/?fref=ts>


        Nos casos de intertextualidade implícita, o que se verifica é a omissão da fonte do intertexto alheio. A não explicitude da fonte do intertexto exige que o leitor ative sua memória discursiva, a fim de recuperá-lo.  Então, para que a produção de sentido se efetive de acordo com os propósitos do produtor do texto, o leitor necessitará estabelecer diálogos com os demais textos que compõem sua bagagem sociocultural: textos que já leu, filmes que assitiu, músicas que ouviu, fatos sobre os quais tomou conhecimento, dentre outros eventos comunicativos. Koch; Elias (2012) chamam atenção para o fato de esse tipo de intertextualidade envolver  manipulação do texto alheio, a fim de se alcançar efeitos de sentido diferentes. Dado esse maior nível de subversão, apresenta-se como um recurso bastante  empregado  na publicidade e na propaganda, como destacam as autoras supracitadas. Vejamos, agora, um exemplo de intertextualidade implícita.


          No escopo da literatura, Piègay-Gross (1996)  classifica as relações intertextuais em dois tipos:  relações de copresença entre dois ou mais textos e  relações de derivação de um ou mais textos a partir de um texto considerado fonte/matriz. No primeiro tipo de intertextualidade, a autora enumera a citação, a referência, a alusão e o plágio. Quanto ao segundo tipo, elenca  a paródia,  o travestimento burlesco e o pastiche. É importante  ressaltar que, mesmo sendo abordada, inicialmente, na literatura, essa proposta de classificação passou a ser aplicada também  em outros gêneros textuais.

          Conforme Piégay-Gross (1996), na citação é evidenciada a fonte do intertexto, com menção ao autor. A teórica pontua que  as citações podem desempenhar  diferentes funções discursivas, como atestar a verdade de um discurso ou  função de ornamentação, no caso de uma obra literária, por exemplo. A referência, mesmo apresentando certa semelhança com a citação, não apresenta transcrição literal do texto fonte, mas faz uma remissão a elementos presentes em outro texto, como personagens, por exemplo. Na alusão, por seu turno, o texto- matriz é retomado por meio de algumas pistas, de forma bastante sutil. Nesse caso, “não se convocam  literalmente as palavras nem as entidades  de um texto, porque se cogita que o enunciador possa compreender nas entrelinhas  o que o enunciador deseja sugerir-lhe sem expressar diretamente” (KOCH, BENTES e  CAVALCANTE, 2012, p. 127) Quanto ao plágio, a citação não é marcada, ou seja, embora haja a apropriação literal do texto do outro, não é dado crédito ao autor.

          No segundo grupo, Piégay-Gross define  a paródia como a transformação de um texto cujo conteúdo é modificado, mesmo se conservando o estilo. Verifica-se, nesse tipo de intertextualidade, o proprósito de suscitar o lúdico. Já  o travestimento burlesco  é entendido como a  reescritura de um estilo a partir de uma obra  cujo conteúdo é conservado. Diferente da paródia, retoma o tema, mas se afasta da forma do texto do qual é derivado. Por último, o pastiche  é apontado como a imitação de um estilo na qual foi conservada  a forma do texto imitado.

Exemplo de paródia:


REFERÊNCIAS 

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes. 2003, p. 261-306.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do métodosociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2012.

_______; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

_______; BENTES, A. C; CAVALCANTE, M.V. Intertextualidade: diálogos possíveis.

São  Paulo: Cortez, 2012.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M., GAYDECZKA, B., BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola, 2011.

MORAES, Franciane; MENDES, Gustavo; LUCARELLI, Talita. Memes na internet: A web2.0 como espaço fecundo para propagação. XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Recife 2011.

PIÈGAY-GROS, N. Introduction à l’intertextualité. Paris: Dunod, 1996.

 


3ª POSTAGEM EM BREVE

“TERROR É NÃO TER SKY”: MULTIMODALIDADE, INTERTEXTUALIDADE E PERSUASÃO NA PUBLICIDADE

           A publicidade está, inegavelmente, presente no nosso dia a dia, afinal muitas das nossas escolhas pessoais são por ela influencia...