quinta-feira, 24 de novembro de 2022

“TERROR É NÃO TER SKY”: MULTIMODALIDADE, INTERTEXTUALIDADE E PERSUASÃO NA PUBLICIDADE

 

        A publicidade está, inegavelmente, presente no nosso dia a dia, afinal muitas das nossas escolhas pessoais são por ela influenciadas. Afinal, o que vem a ser a publicidade?  O termo tem a sua origem no latim publicus e significa tornar algo público (SANTOS e CÂNDIDO, 2017).  O senso comum costuma associar a publicidade apenas a produtos e serviços com fins comerciais, entretanto a publicidade vai muito além da divulgação de produtos e serviços,pois ideologias, fatos  e até mesmo valores também são divulgados. Santos e Cândido (2017) definem a publicidade  como a promoção ou divulgação de ideias, produtos ou serviços. A divulgação, conforme os autores objetiva o lucro e, para tanto, precisa deixar claro quem está divulgado e para que público-alvo tal divulgação se destina. Para atingir seus propósitos e conquistar a preferência do público-alvo, a publicidade precisa explora diferentes modos semióticos, de modo que haja persuasão por meio do emprego de recursos criativos e atrativos.  Assim sendo, compreende-se que os diferentes gêneros  publicitários são exemplos de textos multimodais, uma vez que as múltiplas semioses são elementos inerentes na composição dos diferentes exemplares de gêneros da publicidade.

          A respeito da multimodalidade, Gomes e Silva (2018, p.57) tecem as seguintes considerações:

A multimodalidade consiste no uso de dois ou mais sistemas semióticos na troca de informação e está presente tanto em textos predominantemente escritos, quanto em textos visuais, sonoros ou cinemáticos, sendo um dos fatores responsáveis pela construção dos significados durante o processo de leitura. Nesse sentido, ela não é uma característica nova peculiar somente aos textos modernos, mas um atributo natural da comunicação humana que sempre existiu.

            Conforme a citação, a multimodalidade deve ser encarada como uma característica inerente aos textos e, por isso, os significados dos textos são condicionados  pelas escolhas dos elementos multimodais que os constituem. Ao escolherem os elementos multimodais que constituem os textos publicitários, os anunciantes/ produtores desses gêneros também recorrem, a depender de seus propósitos, a um outro importante recurso: a intertextualidade.

          Bazerman (2011, p.92) define a intertextualidade como “as relações explícitas e implícitas que um texto ou enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial)”. Em relação à metodologia de análise, o autor propõe seis estratégias de representação intertextual, que ilustram não somente  os tipos de intertextualidade, mas também os tipos  de interdiscursividade, quais sejam: citação direta, citação indireta, menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupos de pessoas  ou de documentos específicos e uso de linguagem e de formas linguísticas  que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos. Além da multimodalidade e da intertextualidade, outro recurso é considerado crucial na constituição da publicidade: a persuasão.

          A respeito da persuasão, em sua obra Effective advertising: understanding when, how and why advertising works, Gerard J. Tellis aborda os elementos persuasivos que   compõem a publicidade. Para tanto, parte de um modelo desenvolvido por Cacioppo e Petty, em 1985, para resumir os diferentes meios de persuasão presentes na publicidade. Esse modelo, intitulado Modelo de Probabilidade de Elaboração, emprega abordagens da antiga retórica, ou seja, os três meios de persuasão segundo Aristóteles: logos (argumentos), ethos (endossantes) e  phatos (emoção). ). Em relação ao primeiro meio de persuasão, o argumento ( logos), o autor  afirma que esse recurso “convence um espectador de uma mensagem apelando à razão e confiando em evidências” (TELLIS, 2004, p.151).

          O segundo meio de persuasão, conforme já apontado, é a emoção (logos). Valorizando o papel desse “estado de excitação” (TELLIS, 2004),  o pesquisador (2004) aponta os três modos pelos quais a emoção despertada convence o destinatário à ação, quais sejam: 1. O modo implícito, em que o anunciante desperta emoções ao incorporar uma mensagem nos personagens envolvidos na trama, despertando empatia nos espectadores; 2. O modo explícito, em que o anunciante desperta emoções, explicitamente, usando estímulos para transmitir um ponto de vista, despertando simpatia em vez de empatia, por parte dos espectadores; 3. O modo associativo, no qual  as emoções são despertadas por meio de estímulos que são apenas tangencialmente relacionados ao produto, o que suscita, no espectador, a associação entre determinada sensação/ emoção e o produto anunciado.

          O terceiro ato retórico, o endossamento (ethos) diz respeito às pessoas contratadas para atrair e agir na persuasão do público-alvo, por isso, atuam como agentes que reforçam a credibilidade à mensagem transmitida por determinada publicidade. O endossamento pode ser feito por especialistas, celebridades ou leigos (TELLIS, 2004).

          Tomando como referência a discussão teórica sobre esses relevantes elementos constituintes da publicidade, analisemos, agora o vídeoclipe da música Thriller, do astro pop  Michael  Jackson.

         Fonte:< https://www.youtube.com/watch?v=sOnqjkJTMaA>  

        Exibido pela primeira vez em dezembro de 1983, o clipe, até os dias atuais, é considerado uma referência no que tange à produção audiovisual. O enredo inicia com um casal apaixonado saindo de um automóvel e travando um diálogo próprio dos apaixonados, regado a olhares e  declarações amorosos. No entanto, o clima de romance é interrompido quando a imagem da lua cheia é ressaltada e,  partir desse momento, para desespero da garota, o rapaz começa a se transformar em um lobisomem, iniciando, assim, uma perseguição em meio a floresta. Quando o monstro  está prestes a capturar a indefesa moça, o espectador é surpreendido ao perceber que todo o enredo até ali não passava de um filme de terror, assistido pelo mesmo casal, no cinema. Incomodada com as cenas do filme, a jovem sai da sala de cinema antes mesmo de a sessão terminar, o que faz com o que o namorado a acompanhe. Passado algum tempo, a música é, finalmente introduzida e, à medida que avança, o cenário enfatizado passa a ser de um cemitério, no qual vários mortos ressuscitam ao som da música e começam, junto com o rapaz, a produzirem uma peculiar coreografia. A jovem, horrorizada, tenta fugir, mas é perseguida pelos zumbis e seu namorado, agora também sob a forma de morto-vivo. Mais uma vez, quando  a jovem está prestes a ser atacada, o espectador  é surpreendido com uma nova quebra de expectativa: tudo não passara de um pesadelo. Aparentemente, os jovens estão na sala de espera do cinema  e,  antes de sair de cena, o rapaz, propositalmente, olha para o espectador e revela olhos monstruosos, deixando um misto de dúvidas e várias hipóteses sobre o que teria acontecido. Considerado um clássico da cultura pop, tanto a música quanto o clipe influenciaram e continuam influenciando inúmeras outras produções, como é o caso do comercial da Sky, intitulado Mansão Sky. Vejamos:




     Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=oofwJqRVovg>


         No comercial , o enredo é ambientado em uma mansão, entretanto uma mansão fora do padrão, tanto pelo aspecto bastante sombrio  quanto pelos sons de uivos de lobos e outros efeitos sonoros que remetem a terror. Quando o funcionário da SKY  bate à porta, a música Thriller, de Michael Jackson é iniciada. À medida que adentra a mansão, o funcionário se depara com diferentes elementos assustadores: intensidade de uivos de lobos, barulhos de asas de morcego, figuras assustadoras de fantasmas, esqueletos, lobisomem e zumbis. No clímax, aparece a modelo Gisele Bündchen interpretando uma vampira prestes a atacar o homem. Neste momento, há uma quebra de expectativa, já que a vampira apenas diz “obrigada” no ouvido do funcionário. Em seguida, o vídeo é interrompido pela frase: “Terror é não ter Sky”. No momento final do comercial, todos os sombrios moradores da mansão estão sentados no sofá e a vampira, interpretada por Gisele Bündchen, fala: “Ainda bem que agora a gente tem SKY, que essa casa estava meio morta, né?!, o que provoca uma situação cômica diante do contexto geral do comercial. Feitas as contextualizações do clipe e do vídeo,  passamos, agora, para análise da publicidade “ Mansão Sky”, pautada, primeiramente em Bazerman (2021 [2006]), conforme o quadro sintético abaixo:



          Agora, analisemos o mesmo vídeo conforme os critérios de Tellis (2004):

      












REFERÊNCIAS

 

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita; Angela Paiva Dionísio e Judith ChamblissHoffnagel(Org.). Tradução e adaptação Judith ChamblissHoffnagel. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2021 [2006].

GOMES, Francisco Wellington Borges; SILVA, Ana Paula de Oliveira. Multimodalidade e persuasão em uma peça publicitária audiovisual. Entrepalavras, Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 55-79, maio/ago. 2018

LIM-FEI, V. & TAN, K.Y.S. Multimodal Translational Research: Teaching Visual Texts. In: Seizov, O. & Wildfeuer, J. (eds.). New studies in multimodality: Conceptual and methodological elaborations. London/New York: Bloomsbury. 2017.

SANTOS, Anderson Inácio dos; CÂNDIDO, Danielle. Por um conceito de Propaganda e Publicidade: divergências e convergências. In: INTERCOM - SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO 40º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. 2017.

TELLIS, G.J.  Effective advertising: understanding when, how, and why advertising works. California: Sage publications, 2004.


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