sábado, 22 de outubro de 2022

A INTERTEXTUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DA PROPAGANDA DO AUDI R8 V10 PLUS: ESTRATÉGIAS SEGUNDO BAZERMAN

 

     No artigo intitulado “Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos”, Charles Bazerman discute a respeito de um relevante recurso linguístico tão presente nas práticas comunicativas cotidianas: a intertextualidade. Para Bazerman (2004), quase todas as palavras e frases que empregamos já haviam sido ouvidas ou vistas antes, ou seja, “criamos os nossos textos a partir do oceano de textos anteriores que estão à nossa volta e do oceano de linguagem em que vivemos” (BAZERMAN, 2011, p.88).

      Ao enfatizar  a relação intrínseca entre linguagem e intertextualidade,  o autor  defende a importância de se analisar  a intertextualidade de um texto e, para isso, elenca várias justificativas para esse tipo de análise, entre as quais: auxilia na compreensão  das diversas maneiras pelas quais os escritores  inserem outros personagens em sua história e “como eles se posicionam a si mesmos dentro desses mundos de múltiplos textos”; uma importante ferramenta para discriminar  as fontes que os pesquisadores  e os teóricos se fundamentam ou, ainda,  as fontes às quais se opõem;e um importante mecanismo na identificação das ideias, pesquisas e posições políticas que permeiam os documentos institucionais. Além disso, também destaca a importância da análise da intertextualidade no contexto escolar, uma vez que essa ferramenta possibilita ao professor compreender como são atribuídos os sentidos e identidades aos alunos e à escola por meio dos recursos intertextuais.

         Nessa perspectiva, Bazerman (2011, p.92) define a intertextualidade como “as relações explícitas e implícitas que um texto ou enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial)”. Em relação à metodologia de análise, o autor propõe seis estratégias de representação intertextual, que ilustram não somente  os tipos de intertextualidade, mas também os tipos  de interdiscursividade, quais sejam: citação direta, citação indireta, menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupos de pessoas  ou de documentos específicos e uso de linguagem e de formas linguísticas  que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos.  O quadro abaixo sintetiza essas seis estratégias:

 

              SEIS ESTRATÉGIAS PARA ANÁLISE DA INTERTEXTUALIDADE/INTERDISCURSIVIDADE


Fonte:<https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html>

          Na estratégia da citação direta, as palavras do autor original são fielmente reproduzidas, enquanto na citação indireta é feita uma reelaboração das palavras do autor original. Em relação à estratégia menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações, é exigido do leitor conhecimento prévio da fonte original, uma vez que o significado e a relação com o texto original não são detalhados. No caso da estratégia comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz evocada, há a representação do posicionamento ou juízo de valor do autor. Ainda segundo Bazerman (2011), as duas primeiras estratégias (citação direta e citação indireta) são mais explícitas e mais facilmente reconhecíveis, ao passo que a quinta e a sexta estratégia são apontadas como mais implícitas e representativas da interdiscursividade.

              Costa (2022) apresenta outros elementos empregados como referências para análise de  textos multimodais fixos e em movimento: filmagem real , na qual trechos reais de uma obra fílmica são empregados; personagem ou objeto, em que  são empregadas referências diretas ou indiretas a personagem (ns) ou objeto(s); visuais, em que  são empregados, de forma direta ou indireta,  pelo menos um aspecto da cena original, como posições das figuras dentro das  tomadas; enredo, em que é avaliado se a obra realiza uma referência direta, indireta ou se é continuação do enredo da obra original; citações, que podem ser diretas ou indiretas; música, em que pode ser percebida referência direta e/ou indireta de sons emitidos pelas personagens e/ou pelos objetos inanimados; mencionar ou comentar  de forma direta e/ou indireta o título da obra original; Fraseado ou terminologia reconhecível  e idioma e formas, em que há uso de linguagens e outras formas linguísticas empregadas nas propagandas  e que evocam filmes ou séries de televisão, além de representarem referência a uma fonte específica.

              Seguindo as seis estratégias elencadas por Bazerman (2011) e os elementos para análise de textos multimodais, apresentados em Costa (2022), analisamos a peça publicitária veiculada sob a forma de vídeo.Observe:

 

                                 Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>                                             

            O vídeo em análise trata-se de uma propaganda   da marca Audi, em que é lançado um novo modelo de carro: o R8 Coupé V10 Plus. Para comunicar de forma persuasiva e criativa a chegada desse novo modelo automotivo no mercado, a marca lança o filme “ Commander”, em um comercial de 1 minuto de duração. A peça publicitária narra a história de um astronauta aposentado que, deprimido, fica remoendo seus tempos de glória, em especial sua marcante participação na missão Apollo, responsável por levar o homem à lua. O momento de introspecção e melancolia do velho astronauta é interrompido quando seu filho lhe oferece a chave de um R8 V10 Plus: o homem, ao dirigir o potente carro, revive a emoção de estar a bordo de um foguete em missão espacial.

              Por meio do recurso de flashbacks, são inseridas falas que remetem ao momento histórico vivenciado pelo personagem: “Senhor presidente, obrigada por escolher a lua”, “A vista é magnífica”, “Este é o dia de maior orgulho em nossas vidas”. Tal inserção acontece de forma indireta, uma vez que tais falas não reproduzem fielmente aquelas proferidas pelos astronautas e autoridades envolvidas no fato histórico, mas são reelaboradas “permitindo que os significados sejam mais integrados aos seus propósitos” (BAZERMAN, 2011, p.95). Além disso, também é possível situar essas falas na terceira estratégia sugerida por Bazerman (2011): menção a uma pessoa, a um documento ou a declarações. Essa análise é possível ao considerarmos que o comercial, de forma indireta, menciona declarações e autoridades (presidente) relacionados ao fato histórico.

              Na cena inicial, além das falas que remetem à missão Apollo, há o uso de fotografias que reforçam, no expectador, a compreensão de que o personagem central do comercial foi um astronauta de muito sucesso.  O uso dessas fotografias ocorre de forma indireta, pois não representa os participantes reais do fato histórico, apenas recriando-os, por semelhanças. Seguindo o enredo da peça publicitária, o filho do astronauta aposentado se refere ao pai chamando-o de “comandante”. O uso desse termo se configura como a estratégia usos de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou documentos específicos, pois o termo “comandante” evoca a posição de chefia ou patente ocupada por um astronauta em missão espacial.

              Uma outra estratégia bastante evidente é o uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre pessoas e tipos de documentos.  Essa estratégia é percebida no momento em que são inseridas as seguintes falas: “Atenção à contagem de 10 segundos”, “Tudo perfeito...6...5...4...3...2...1”, “Decolamos”. O expectador, por meio da memória discursiva, relaciona essas falas à contagem regressiva, considerado um protocolo crucial e parte do rito que caracteriza o lançamento de um foguete. É importante ressaltar que tanto o emprego do termo “comandante” quanto a contagem regressiva só podem ser associadas ao contexto de lançamento de um foguete pelo fato de o leitor acessar sua memória discursiva e conhecimentos prévios acerca desse tema. Por esse motivo, fica evidente que esses elementos pertencem muito mais ao campo da interdiscursividade que da intertextualidade. Oberve a seguinte cena, retirada da peça publicitária em análise:

                                               Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI

                Em relação à analogia estabelecida entre o carro Audi R8 V10 Plus e um foguete, é verificado o emprego de objeto, de forma tanto indireta, quanto indireta.  De forma direta, as imagens do veículo (foguete) são incorporadas no enredo do comercial, ao passo que, de forma indireta, o carro tem suas características, como tecnologia avançada e alta potência, associadas ao foguete.  Também há o emprego de personagem de forma tanto direta, com inserção de imagens de astronautas em uma cena que tenta reproduzir o lançamento real de um foguete, como de forma indireta, quando o astronauta aposentado se comporta como se estivesse no papel de um astronauta em atividade rumo a uma missão espacial real. Isso pode ser percebido pelo close em seu rosto, pela carga emocional da cena e pela forma como ele segura o volante e acelera o veículo. Analise  as imagens seguintes:

                                               Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

                                             Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

                                               Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>
 

              De maneira conjunta, a associação de personagens e objetos em cena permitem a identificação de um outro elemento intertextual: o elemento visual.“Referências indiretas a visuais geralmente replicavam pelo menos um aspecto da cena original. Isso pode significar imitar as posições das figuras dentro das tomadas, mas colocadas em um contexto totalmente diferente” (COSTA, 2022).  No tangente ao enredo, este se apresenta referido de forma indireta, já que não reproduz exatamente a narrativa do lançamento real de um foguete, seguindo apenas o quadro principal do enredo no qual se apoia e alterando seus detalhes.

              Um outro elemento bastante relevante na composição da peça publicitária, sobretudo no clímax e desfecho, é   a trilha sonora. A escolha da música Starman, de David Bowie, corrobora o conceito proposto pelo comercial: de que coisas incríveis acontecem quando miramos a lua.  Implicitamente, a música traz essa referência e é preciso que o expectador acesse seu repertório discursivo, para, assim, associar a música que fala de “um homem das estrelas” ao enredo da peça publicitária, assim como acesse o conhecimento prévio de que boa parte das músicas de David Bowie tratam exatamente de temas associados ao conceito da propaganda: astronautas e mistérios do universo. No desfecho do comercial, há inserção indireta de um personagem não humano ou objeto, a lua, para consolidar a mensagem final da propaganda: acelerar um Audi R8 Coupé V10 Plus proporciona uma experiência tão intensa e potente que leva o usuário a reviver fatos históricos, como a ida à lua, conforme pode ser observado na imagem abaixo:

                                              Fonte:<https://www.youtube.com/watch?v=BsaL3f5oKLI>

              Destarte, cabe enfatizar, por meio dessa análise,  a presença das relações intertextuais nas mais diferentes práticas comunicativas diárias e a importância desse recurso linguístico para a construção dos sentidos e propósitos comunicativos, afinal a “ intertextualidade  não é apenas uma questão ligada  a que outros textos você se refere, e sim como você os usa, para que você usa e, por fim, como você se posiciona enquanto escritor  diante deles para elaborar seus próprios argumentos” (BAZERMAN,2011, p.103).

             

                           

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita; Angela Paiva Dionísio e Judith Chambliss Hoffnagel (Org.). Tradução e adaptação Judith Chambliss Hoffnagel. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2011.

COSTA,G.Intertextualidade(Bazerman,2004).Disponívelem<https://giseldasantoscosta.blogspot.com/2022/10/intertextualidade-bazerman2004.html> Acesso em 21/10/2022. 

 

 

Um comentário:

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